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Noite faminta à espreita 

Na calada da noite, a cidade se metamorfoseava em um picadeiro macabro, e eu era mais um de seus personagens, um palhaço de circo que tinha trocado o nariz vermelho pela boca de uma garrafa e ia me arrastando para o palco principal: o bar.

A noite era a minha mestra de cerimônias, e eu, uma das atrações principais – a trapezista do copo, que se equilibraria entre a sobriedade e o chão.

Meu fusca amarelo ovo, tinha dois apelidos carinhosos: Amarelinho e "Táxi do Inferno", levava-me para o purgatório boêmio de um bairro tradicional no Rio de Janeiro. Era um umbral sem ar-condicionado, mas o calor humano – e a ausência dele – era palpável.

Lá, eu reencontrava a mesma trupe. Tinha o malabarista da mentira, a engolidora de espadas do orgulho, a domadora de leões da fofoca, os especialistas na arte da sedução, enfim, de tudo um pouco, pessoas das mais diversas procedências, escolaridades, idades, comportamentos e tendências. Elas, todas elas, viviam sob o mesmo encanto da noite, uma entidade com cílios e íris de neon e um sorriso que prometia tudo, sendo que o preço era alto: a vida.

 

Éramos um bando de almas perdidas, mas, pelo menos, perdidas juntas. De vez em quando, ocorriam brigas homéricas, bate-bocas, xingamentos, agressões, conquanto os "doidões” eram os mesmos e no dia seguinte, ou melhor, na noite seguinte, todos se encontravam naquele amor esquisito,  como se nada houvesse acontecido.

Certa noite, o espetáculo foi mais tenso do que o normal. Depois de um número de "equilíbrio" com copos de cerveja, decidi que era hora de ir para casa. A plateia aplaudiu, mas o motor do meu “táxi do inferno” parecia gemer em protesto. A névoa do álcool me fez ver uma praça como uma pista de corrida, e o gelo baiano como um adversário a ser superado.

O embate foi inevitável e o vencedor logicamente foi o gelo baiano. A cena foi cômica: um fusca amarelo, capotando e desvirando sozinho, parando normalmente, com a única audiência sendo as poucas estrelas que ousavam aparecer naquela madrugada. Agradeci à Deus por não ter ferido ninguém, muito menos ter sido pega pela famigerada Lei Seca. Naquele momento, eu soube que era hora de entregar a cartela de ingressos para a noite, e começar a comprar o meu futuro.

 

E foi isso que fiz. Troquei a taça pelo livro, a bebida pela água e o bar pela sala de aula. A cada diploma conquistado, a cada curso finalizado, a noite se tornava uma memória distante.

Ainda assim, algumas vezes, ouvia seu doce chamado, acompanhada de uma pontada de saudade e resolvia ir até o circo para ver como os palhaços de outrora estavam. O que eu encontrava, no entanto, na maioria das vezes, não era mais a trupe do circo, mas sim fantasmas que se esvaíam na névoa da madrugada.

A noite, aquela linda e perigosa entidade, tinha cobrado o preço de cada um deles. E o que era antes uma arena de diversão, tinha se tornado um grande túmulo, onde os aplausos eram o eco da solidão. Ela, sempre à espreita, depois de os atrair e capturá-los para suas teias, e os abrigar debaixo de sua capa, fazendo com que se sentissem protegidos, como uma grande mamãe morcega, acabava por paralisar e os engolir um a um. E os transformar, dentro de seu aparelho digestivo, em uma poderosa energia gravitacional de atração magnética. Imã para os incautos no seio da escuridão. 

 

 

Muito obrigada por sua leitura!📚 

As trilhas sonoras, também as crio.

 

LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 07/08/2025
Alterado em 07/08/2025


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