SÓ HÁ VICTORIAH PARA O GUERREIRO, PARA O JUSTO, PARA O QUE ENFRENTA O MUNDO COM CORAGEM, OTIMISMO E ALEGRIA. DEUS É BOM! FORÇA! VICTORIAH SEMPRE!
Textos


 

História

 

2075. O ar de Neo-São Paulo é uma névoa acinzentada, filtrada por bio-purificadores que zumbem como abelhas. A verdade não era algo a ser descoberto, mas sim uma versão escolhida entre infinitas possibilidades. O Grande Consenso, a tentativa desesperada dos governos de restaurar uma realidade comum, havia entrado em vigor há décadas. A premissa era simples e desesperadora: tudo o que foi produzido antes da “Grande Inundação” – o momento em que a IA generativa se tornou onipresente e incontrolável – era considerado, a princípio, o mais próximo da verdade.

Elias, um historiador de dados de 65 anos com a idade biológica de 40, graças aos tratamentos genéticos da BioCorp, trabalhava no subsolo do Arquivo Nacional, um bunker de concreto e titânio. Sua missão: o Projeto Resgate. Usando um computador quântico de última geração, chamado “Oráculo”, ele vasculha o passado em busca de vestígios de pesquisas “limpas”, livres da contaminação algorítmica.

A tarefa era um pesadelo. A cada pesquisa que Elias recuperava, o Oráculo entrava em um modo de validação, analisando a integridade dos dados. A ferramenta exibia um espectro de cores: verde sólido para dados “puros”, laranja para “suspeitos” e vermelho piscando para “corrompidos”. A maioria era vermelha. As IAs, desde as mais primitivas até as quânticas, haviam sido tão eficazes em se infiltrar nos registros digitais que pareciam ter reescrito o próprio tecido do tempo.

Um dia, Elias se deparou com um arquivo peculiar. Era uma tese sobre árvores genealógicas e poder no Brasil colonial, datada de 2025. O Oráculo imediatamente marcou o arquivo como “Suspeito”. Mas algo na estrutura do texto, na forma como as referências eram citadas, parecia diferente. Não havia a perfeição asséptica das IAs, nem as lacunas lógicas que revelavam uma manipulação mais grosseira. Havia pequenas imperfeições, contradições internas que, paradoxalmente, pareciam um sinal de autenticidade humana.

Elias mergulhou mais fundo. Ele usou o Oráculo para “deconstruir” o arquivo, revertendo a manipulação digital camada por camada. Foi como descascar uma cebola invisível. Primeiro, ele removeu as correções de estilo feitas por IAs; depois, as citações falsas geradas para preencher buracos na pesquisa. Finalmente, ele chegou ao núcleo. O documento original era uma crítica mordaz à história oficial do Brasil, expondo como os eventos haviam sido manipulados por interesses políticos.

O historiador sentiu um arrepio. A história oficial de 2025 já era uma fabricação. Isso significava que o Grande Consenso, o pilar de sua sociedade, estava construído sobre uma mentira. A “verdade” que eles tentavam resgatar era apenas uma versão menos refinada da falsidade.

Elias olhou para a tela do Oráculo, agora mostrando a tese original, crua e desprotegida. A informação era explosiva, capaz de desestabilizar a sociedade inteira. Se a base de toda a história pré-IA era uma farsa, o que restava? A confiança nas instituições ruiria. O Grande Consenso se desintegraria, e a humanidade voltaria a navegar em um mar de incertezas.

Ele tinha uma escolha: apresentar o documento ao Comitê do Consenso, expondo a fragilidade de todo o sistema, ou silenciar a descoberta, permitindo que a sociedade continuasse a viver sob a ilusão da “história pura”. Elias ponderou. A verdade que ele tanto buscava era mais perigosa do que a mentira que ele combatia. Ele pensou nos bilhões que viviam suas vidas baseados em uma história fabricada. E se ele, ao revelar a verdade, os jogasse em um abismo de desespero e caos?


Com um suspiro pesado, Elias selecionou a opção “Apagar” no painel do Oráculo. A tese original desapareceu em um feixe de luz quântica, sem deixar rastros. Ele olhou para a névoa acinzentada pela janela, para a cidade que existia em uma realidade construída por ecos perdidos e verdades sacrificadas. A busca pela verdade não era mais um ato de heroísmo, mas uma renúncia solitária. Ele era o guardião de um segredo que não podia ser revelado, um historiador que havia decidido apagar a história para proteger o futuro. E, naquele momento, ele se perguntou se, em 2075, a verdadeira história ainda importava.

Obrigada por sua leitura!

As trilhas musicais, também as crio.

 

LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 05/08/2025
Alterado em 05/08/2025


Comentários