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Textos


Voz interior

Nos meus 27 anos, a vida era uma monótona sucessão de manhãs cinzentas e noites de insônia, temperada por uma peculiaridade: eu tinha um colega de apartamento invisível. E ele morava na minha cabeça. Não, não era um colega de quarto divertido que dividia a conta do Netflix. Era um espírito rancoroso que se autoproclamava meu inquilino cerebral, e seu aluguel eram os meus pensamentos mais ruins. Ele se alimentava da minha negatividade. Quanto mais eu praguejava contra o trânsito ou desejava que o vizinho barulhento tropeçasse na própria calça, mais feliz ele parecia ficar, era movido à raiva.

 

O problema começou quando o “Espírito S.A.” decidiu que era hora de dar ordens. O único inconveniente? Ele falava em um idioma que soava como uma mistura de aramaico com rosnados.

 

Eu, na minha infinita sabedoria, me recusava a aprender. “Eu não vou aprender nunca o seu idioma!”, berrava mentalmente. “Foi você quem resolveu me escolher, resolva isso! O problema é seu!”. E, para a surpresa do meu terapeuta e do meu melhor amigo – que, compreensivelmente, me olhavam com uma mistura de preocupação e diversão –, eu sentia um prazer indescritível em irritar o tal espírito. Ele não entendia minhas palavras, mas adorava a minha maldade, alimentando-se dela como um vampiro de emoções tóxicas. Era uma relação simbiótica às avessas: ele me atormentava, eu o alimentava, e ambos éramos infelizes, porém, de alguma forma, satisfeitos com a situação.

Dois anos se arrastaram nessa rotina peculiar, até que uma lâmpada de genialidade se acendeu na minha mente. “Ei, Espírito S.A.”, pensei, “por que você não faz um intercâmbio? Aprende umas línguas novas, vê o mundo, essas coisas.

Daí, no futuro, eu te ajudo com o que você quer”. O silêncio do espírito foi a única resposta. Logicamente sabia quais seriam as verdadeiras intenções, porém nutria sua alma com as baixas vibrações. Assim, ele se afastou, deixando para trás uma energia residual que, para meu horror, revelou seus planos: uma chacina dos descendentes de quem o tinha prejudicado no passado. Aparentemente, o bicho era rancoroso até o último fio de ectoplasma.

 

Com o “Espírito S.A.” fora do prédio (literalmente da minha cabeça), decidi que era hora de blindar meu apartamento cerebral.

Mergulhei de cabeça no mundo do esoterismo. Terreiros de Umbanda e Candomblé, mestres de Reiki, magos do oculto, gurus de autoajuda quântica – eu tentei de tudo.

Era um verdadeiro tour espiritual, com incensos, passes energéticos e chás de ervas com gosto de terra molhada. E, para minha surpresa, funcionou! Meu corpo virou uma fortaleza psíquica, impenetrável para espíritos rancorosos e, provavelmente, para vendedores de telemarketing.

Quando o “Espírito S.A.” finalmente retornou, ele se materializou em minha sala, com uma expressão de ultraje que faria um fantasma chorar. “O que significa isso?”, gritou em um idioma que, por algum milagre, agora parecia ter um sotaque carregado de espanhol.

Eu, com a confiança de quem acabou de exorcizar um condomínio inteiro, respondi com um sorriso irônico: “Não tenho medo de você! A vingança não leva a nada. Procure evoluir espiritualmente, meu caro!”.

O espírito me encarou, e por um breve momento, juro que vi uma lágrima translúcida escorrer por seu rosto etéreo.

“Sim”, ele disse, com uma voz que soava como mil sussurros de almas penadas. “Estou cansado, mas não descansarei até me vingar! Você também é um traidor. Pimenta no dos outros é refresco!” E com um último suspiro indignado, ele se desfez no ar, provavelmente para procurar um novo hospedeiro com menos inclinações espirituais e mais pensamentos ruins para alimentar.

Desde então, a vida tem sido… normal. Tirando o fato de que agora tenho uma leve mania por incensos de arruda e um medo irracional de atender o celular, ou de estar sendo monitorado nas redes sociais pela alma sebosa, disfarçada até nos computadores.

E, claro, a ocasional dúvida se o meu gato está apenas miando ou tramando uma chacina com outros espíritos desabrigados. Porque nunca se sabe quando um “Espírito S.A.” em busca de vingança pode estar à espreita, pronto para alugar um novo espaço em alguma cabeça.

Muito obrigada por sua leitura! 📚

As trilhas sonoras, também as componho.

 

 

 

 

 

 

 

LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 24/07/2025
Alterado em 26/07/2025


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