Alma espiã
Imaginava poder escolher entrar no corpo e na mente de celebridades admiráveis e admiradas, alojar sua mente na mente de outra pessoa, porém, mais tarde, percebeu que não poderia interferir nas atitudes, e no pensar dela. Não se trata de não poder, é de não conseguir mesmo. Melhor assim. No decorrer do processo, seu corpo ficará hibernando num local seguro.
Pois bem, Ele, com ajuda da inteligência artificial, e um objeto ancestral adquirido num antiquário do Rio de Janeiro, inventou um sistema capaz de atingir tais objetivos, consistindo em um aparelho que emite frequências audíveis e inaudíveis, ultrassons, conhecimentos de meditação, orações, crenças, esoterismo, e drogas, numa combinação maravilhosa, começando com o prévio preparo da mente, que inclui controle das emoções.
Práticas:
A Armadilha da Fama
Sempre sonhou em experimentar a vida de uma celebridade: a adrenalina dos holofotes, a adoração das massas, a sensação de "ser alguém". E assim, com um simples toque num botão e num artefato ancestral, sua alma se desprendia do corpo, pronta para grandes aventuras.
A primeira parada: o astro de ação.
A vida de um astro de ação era tudo o que ele imaginava... ou não. As cenas de luta eram doloridas, as dietas rígidas e a solidão nos sets era opressora. A fama o isolava, e o medo de ficar preso naquele corpo musculoso e taciturno crescia a cada dia. Graças à Deus, conseguiu sair do corpo daquele talentoso e doce brucutu. Sentiu-se como um vírus, se é que vírus pensa e tem sentimentos...
A diva pop: um pesadelo colorido.
A vida da diva pop era um carrossel frenético de shows, entrevistas e fofocas. A pressão para ser perfeita era insuportável. A cada sorriso falso para as câmeras, sentia a sua essência se diluindo. A solidão era ainda maior, pois a fama a transformava em um produto exposto numa prateleira, na Internet, na mídia, que por ora, possuía até valor no mercado, mas, por outro lado, tinha prazo de validade e inevitavelmente o descarte. Em comum com o primeiro, havia uma ilusão perfeccionista com constantes procedimentos estéticos, criar falas e atitudes polêmicas para estar em evidência sob os holofotes, dolorosas dietas... Novamente sentiu o peso da solidão e da carência afetiva...então, buscou um pouco de alegria para mudar a frequência vibratória.
O gênio da comédia : palhaço
O humorista era um enigma por trás das piadas e do riso fácil. Um grande artista formado por escolas e universidades altamente consideradas, porém, a necessidade constante de fazer os outros rirem era um fardo pesado, pois tinha que raciocinar muito rápido, apesar do preparo, reconhecimento e experiência, poderia errar a dose, o tom, o tempo da piada ao improvisar, temor de ser julgado politicamente incorreto e de soltar preconceitos espontaneamente. Percebeu que a felicidade alheia era construída sobre a base da sua ansiedade em alcançar resultados positivos. No entanto, o safanão que levou, ao fazer uma piada sobre a mulher de um artista muito famoso, foi o fato que o levou à fama mundial. Poxa, aquele doeu no corpo e na alma! Situação altamente constrangedora...Hora de escolher outro astro!
O atleta de alto desempenho: uma jaula de ouro.
A vida do atleta de alta performance era uma rotina exaustiva de treinos, viagens e competições. A pressão para vencer era constante, e qualquer erro, amplificado pela mídia. A saúde física era priorizada em detrimento da saúde mental, o usurpador de corpos sentia-se como um mero instrumento para a glória de outros. Ôh, cansaço! E como os outros personagens, o peso da solidão era avassalador. Ôh, que dor horrível no dedão do pé, sentiu ao dar aquela topada durante um treino.
O dilema do gourmet suicida
A vida de um chef estrelado parecia um banquete celestial, mas para ele, era um inferno gourmet. Preso no corpo de um mestre da culinária, a cada nova criação, sentia um desespero crescente. Afinal, quem diria que a maior tortura seria ter que provar suas próprias invenções? A agonia de escolher entre um foie gras flamejante e um sorvete de pimenta era quase insuportável. No auge da crise existencial, ele se viu diante de um dilema culinário: afogar-se em um mar de molho béarnaise ou sucumbir a uma overdose de trufas negras? A solução? Um coquetel molecular com cianureto. A ironia? Morrer de fome em meio à fartura. Bem, não tinha a habilidade de interferir nas ações do chef. Só restou chorar e encarnar outra figura notória.
A maldição do chef fantasma
"A alma errante agora habitava um corpo que jamais desejara. Preso em uma vida de panelas e frigideiras, ele ansiava por um simples sanduíche de mortadela. A cada prato elaborado, a cada crítica elogiosa, sentia-se mais um fantasma assombrando um banquete. A angústia era tão intensa que, em um ato de desespero culinário, ele decidiu sabotar sua própria reputação. Colocou açúcar no café, serviu vinho branco com peixe e, para coroar a obra, finalizou um prato com ketchup. A reação dos críticos? Indignação e perplexidade. Afinal, como um gênio da cozinha podia cometer tantos erros? A resposta era simples: ele não era um gênio, era apenas um pobre coitado à procura de um bom hambúrguer. Evidentemente a sabotagem não passou de pretensão, pois não tinha como controlar as ações do outro.
O chef frustrado
Preso no corpo de um mestre da culinária, a cada nova criação, ele sentia um vazio imenso. A vida que antes sonhara, agora o sufocava. A pressão de criar pratos inovadores era insuportável. Em uma noite de desespero, enquanto preparava um banquete para um magnata, decidiu sabotar a refeição. Misturou ingredientes incompatíveis, queimou o molho e serviu um prato cru. Para sua surpresa, o magnata adorou! A partir daquele dia, ele percebeu que a verdadeira tortura não era cozinhar, mas sim agradar ao paladar alheio. Foi só um sonho, pois seu hospedeiro estava dormindo.
A maldição do gourmet anônimo
A troca de corpos o havia transformado em um prisioneiro de seu próprio sucesso. A fama, antes almejada, agora era um fardo. Ele ansiava por uma vida simples, longe dos holofotes e das exigências da alta gastronomia. Em um ato de rebeldia, pensou em abrir um food truck e servir hambúrgueres artesanais. A ironia? Seus hambúrgueres se tornaram um sucesso instantâneo, e logo ele estava de volta à rotina que tanto odiava, só que desta vez, em um food truck.
O pesadelo do crítico culinário
A vida como um crítico gastronômico nunca mais seria a mesma. Preso no corpo de um chef renomado, ele percebeu o quanto era fácil julgar do outro lado da mesa. A cada mordida, sentia a pressão de encontrar a palavra perfeita para descrever o sabor. Mas a cada prato, a mesma pergunta ecoava em sua mente: 'Será que estou sendo justo? Eram tantas questões...
O fim.
Com uma espécie de último suspiro, resignou-se ao seu destino, pois a vida que havia escolhido. Era como uma punição por sua pretensão à vaidade. E assim, sua alma se perdeu nas profundezas do desconhecido, em busca de um lugar onde pudesse finalmente encontrar a paz. Que só seria encontrada a partir do momento em que começasse a se valorizar como pessoa e aceitar suas próprias limitações e se contentar com sua natureza simples e simplória. O que uma autoestima baixa é capaz de fazer?! Até desenvolver capacidades e habilidades que parecem extraídas de obras de ficções.
A fuga impossível.
Com o passar do tempo, o medo de ficar preso em um corpo que não era o seu, se tornou uma obsessão. Tentou de tudo para voltar ao seu corpo original, mas todos os seus esforços foram em vão. A cada tentativa, sentia-se mais perdido e desesperançoso. Compreendeu que o hospedeiro havia morrido. Será que sua consciência ficaria presa eternamente? Sentiria o cheiro de um corpo apodrecido? Sentiria o corpo apodrecer?
O pesadelo eterno.
Preso em uma existência que não era sua, compreendeu que a fama era uma armadilha. A busca pela felicidade alheia o havia levado a um inferno particular. A vida perfeita que ele tanto almejava havia se transformado em um pesadelo sem fim.
O despertar.
Em um sonho profundo, viu seu corpo físico, pálido e frágil, conectado a uma máquina. Compreendeu que havia se tornado um prisioneiro da própria ambição. Ao acordar, percebeu que estava enclausurado em um ciclo infinito, condenado a vagar pelos corpos de outras pessoas, em busca de uma felicidade que nunca encontraria.