O vírus
RECEBEU UM CONVITE para comparecer a um endereço. Mandara tantos currículos para tantas empresas, pois almejava um excelente emprego a sua altura. Foi ao local na hora indicada pelo telegrama, com muita esperança no coração. Um prédio alto, localizado na rua mais movimentada de Ipanema: "Engraçado, nunca notei esse edifício aqui!"
Sentiu medo, pois na portaria, no corredor de entrada, não havia uma única pessoa. Subiu de elevador até o 20° andar. E a claustrofobia? Tinha de enfrentá-la. A construção reunia luxo e abandono, mármores de Carrara, granitos, cristais, lustres, bustos de bronze, ao mesmo tempo, goteiras, infiltrações, fios expostos. Chegou ao hall de entrada. Surpresa!
Havia umas quinze pessoas ali.
Perguntou o que estavam fazendo naquele lugar, mas ninguém respondeu. Ignoraram sua presença. Porém conversavam entre si, e pareciam muito à vontade, uns deitados nos sofás, falando coisas desconexas.
Avistou duas lindas crianças. Correu, brincando, atrás da criança loura, para a sala de espera
e, de repente surgiu da porta (do hall onde estavam as pessoas) um gato branco e amarelo, de olhar sobrenatural.
Veio andando mansamente. Uma espécie de vertigem tomou conta de seu corpo. Procurou pelas crianças. Nem sinal delas... O animal aproximou-se ronronando e com respiração difícil. "Não se assuste...estou com problemas... pelo seu currículo e carta de próprio punho... vi que você poderia me ajudar...
- Como?! Você fala?
-Amigo, contraí um vírus...que veio do computador...
Esse vírus... letal para os gatos... deu-me a capacidade de me comunicar... deu-me o poder... de ler a mente... das pessoas... e entrar em sua mente... Se quiser, não preciso mover os lábios... vou direto à sua mente...Não obstante, tal ato torna-se mais exaustivo para mim...vou morrer logo... Conquanto, posso transmitir o vírus... para os humanos... através da minha respiração, através das minhas garras... através das minhas presas...dos meus pelos...
Dois cientistas da empresa ConcorData... eles são especialistas em criar vírus... para desenvolver o antivírus e vender... Eles querem é vender... são capazes de invadir o C.P.D. de qualquer empresa... entrar em qualquer arquivo... e colocar o vírus...
Vendem milhões de antivírus...estão multimilionários... agora só estão fazendo por prazer...desta vez, eles não engendraram o antídoto... eu e meu amigo vamos morrer em breve... já estamos nas nossas sextas vidas... assim como nós, outros felinos podem contrair esta doença... Ajude-nos, amigo... converse com os canalhas... e se eles rirem ou duvidarem de você, mate-os...
-Se eu os matar, vocês não vão ficar bons...Além do mais...por que vocês não vão até eles?
- Não podemos sair daqui, amigo, e temos certeza... de que eles não acreditarão em sua história e não vêm aqui!
- Mas...
-Amigo, isto é uma intimação... Se você se recusar... vai acontecer... o mesmo que aconteceu... com o pessoal ali do hall...pode olhar e volte para cá!
Correu rápido para o outro recinto, as pessoas pareciam estar dormindo... voltou rápido e viu mais um gato parecido com o outro (as manchas do pelo eram mais escuras).
Perguntou:
- Eles estão dormindo?
- Provavelmente, amigo!... Eles também podem nunca mais acordar... E poderão invadir... os seus pensamentos a qualquer hora... mesmo sem querer, ou querendo, eles são do mal... vão acabar aos poucos com voce, amigo... Você vai querer morrer e não vai poder... nem pense em fugir, amigo!... corra, amigo! Ache os canalhas logo...
-Vou descer pela escada de incêndio. Nossa que paredes mais sujas! Meu Deus, a escada acabou, para onde vou agora?
Onde termina este corredor, e outra escada? Eu me perdi na contagem, e não sei mais em que andar estou! Onde tem...
Moço, pode me informar como eu faço para sair deste prédio? Puxa, ninguém responde! Será que ninguém escuta? Como está calor aqui! Vou tirar paletó, afrouxar a gravata... estou com sede...o ar está escasso... não tem ventilação no... vou tentar voltar por onde vim e pegar o elevador... por qual corredor eu vim? Não vejo o fim dos corredores...
Uma escada! Mas está sem luz...
Vou descer por... ela... bem devagar...
Vou tateando estas paredes imundas, estes degraus... cadê a saída?... a escada terminou...
Estou sentado no último degrau (ou primeiro)... minhas pernas estão penduradas...
Vou jogar uma moeda lá embaixo,
pelo som, vou saber se a saída está perto, porque está tudo escuro aqui...
Lá vai... Som nenhum...
Texto escrito no ano de 2002, faz parte do meu livro "Gauche, a estranheza", lançado em 2004, pela editora Litteris.