O BERÇÁRIO DOS DIABINHOS
Rhum, mentira? Conseguiu prender este aqui na garrafa, como prova.
Não, não está morto não, mas tem que dar o que ele quer pra comer. Se foge? Só se a garrafa quebrar, mas mesmo assim, ele não quer sair, porque parece que preso ele é mais poderoso. De vez em quando ele fica muito fedorento. Um cheiro forte de enxofre ele exala, somente quando contrariado. Ele não fala não, Só emite uns grunhidos muito baixinhos, nem precisa, só de olhar nos olhinhos dele, sabemos o que quer, ouvimos os seus pensamentos.
Não, não há medo não. Eles já vêm com esta função, a de nos ajudar, a gente acaba se afeiçoando a eles, como se fossem uma planta ou animal de estimação querido, ou qualquer outro ser, inclusive humano, de quem cuidamos. O preço disto é uma incognita. Já disseram que no dia do nosso desenlace eles nos carregam para o lado do seu papai, porém o que acontecerá conosco, não sabemos.
Afinal, cuidar de alguém, mesmo que este alguém seja ruim, ou digam que é ruim, ou mesmo o coisa ruim, é uma virtude divina, um ato de compaixão pelo próximo. O poema de Camões define as antíteses do amor "É querer estar preso por vontade". E este pequeno ser antropomórfico assim o quer.
Esta história começa assim: havia muito tempo que não dormia bem, com aquele toc toc chato ´próximo à cama. Mais ôh, inferno! A casa antiga, e bota antiga mesmo nisso, foi comprada no intuito de se ver fantasmas, assombrações, de se ter um pouco de emoção diferente na vida. Porque sempre gostou de mexer com mistérios, advinhações, principalmente as que metiam medo.
Invocações e sessões com Ouija,
cartas.
Emoção sinistra? Sim, mas cada um se diverte como quer e como pode. No caso, foi investida uma certa quantidade de dinheiro num sítio de três mil metros quadrados com uma linda sede centenária.
Havia sido parte de uma próspera fazenda, reduto de antigos nobres, contudo, os seus herdeiros todos migraram para as metrópoles e não possuíam mais interesse nas propriedades, cada qual ficou com sua parte, cabendo venda, caso fosse necessária. Adiante, ficava um riacho e um extinto cemitério de escravos. A casa já foi comprada por rumores de atividades paranormais. No primeiro dia logo, seu novo morador teve a impressão de ver um simpático ogro sentado numa cadeira da sala e desaparecer em segundos.
Não foi ilusão, porque deixou uma fedentina danada no ar.
Com frequência, apareciam seres de outras esferas, como duendes, fadas, gnomos, intraterrenos, sacis, curupira, fantasmas do passado. Era isto mesmo o que o novo proprietário queria: estar cercado de bichos, natureza e assombrações.
Quanto ao toc toc no assoalho de tábuas corridas, o som percorria e conduzia ao centro do terreno. Então foi feito um furinho no chão da terra e de lá, diante de tanta perplexidade, começaram a sair milhares de seres pequenininhos.
Eram diabinhos fêmeas e machos, saindo dali para atasanar o mundo e as mentes dos seres vivos. O pequeno orifício não foi fechado, pois este era o destino das criaturinhas: o de povoar o planeta. A maioria iria morrer antes de completar a vida adulta e daquela primeira ninhada, foi capturado um, este que está na garrafa.
Muito obrigada pela leitura! As trilhas sonoras também sou eu quem faço!