NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Terça-feira, 23h e 50min, véspera da quaresma, o mar logo à frente.
No meio do bloco carnavalesco, de tantas pessoas, um olhar e um sorriso, dados meio de lado, porém com uma força avassaladora de atração.
Impossível não querer amar, pelo menos no calor do momento, alguém que de repente e do nada, exerceu um irresistível poder de sedução.
E, engraçado, não se via o corpo, nem o rosto direito, porque estavam cobertos por um casaco de mangas compridas e capuz azul. Talvez o mistério o tivesse envolvido e o impelisse em sua direção.
Intuiu ser aquele seu destino. E não teve dúvidas, paradoxalmente era um solteirão convicto, mas, em uma questão de segundos, pensou em casar-se, constituir família, primeiramente "um amor e uma cabana" entre as encostas, num paraíso de florestas. cachoeiras, manguezais.
Não houve diálogo, foram caminhando de mãos dadas em direção ao seu chalé, alugado por uma semana, numa pousada cercada de natureza por todos os lados. Chegando lá, talvez tomado pela emoção, sentiu uma aguda dor no peito, levou a mão ao coração. Num breve instante de lucidez, viu sua alma sair do corpo e depois, a alma é quem estava vendo o corpo estirado no chão, ser disputado por duas entidades. "Esse corpo é meu!" "Esse corpo é meu!" " Larga, filha da puta!" " Larga você, demônio de merda!" E um puxava pelos braços, outro pelas pernas, um dava um salto para entrar no corpo, mas não conseguia fazê-lo se movimentar, nem o outro, o que pareceu ser uma eternidade.
Foi dominado por um grande medo de não poder voltar mais para o próprio corpo, medo da morte, ainda queria muito da vida. Distante, pode ver a pessoa de capuz azul, sentada numa poltrona, acariciando um gato escuro e observando com prazer a cena.
Sua alma não conseguia sair do lugar. Teve um lapso de memória, após ter visto uma luz branca muito forte, ofuscando sua visão; pois nunca conseguiu se lembrar do que aconteceu nas horas subsequentes, daquela madrugada.
Cedo, de manhã, levantou-se do chão, todo moído, abriu a janela e viu saltar dela para mata adentro o gato, sumindo por detrás de uma árvore,
concomitantemente, ouviu uma risada horripilante, maligna, assustadora e debochada, e na mesma direção, uma luz azul intensa se dissipando.
Mais calmo, ao virar-se para o interior do imóvel, levou um susto, deparou-se com um dos seres que disputaram seu corpo, dizendo:
- Você tem sorte! O anjo da morte veio aqui para buscá-lo, mas desistiu de o levar. Só você será capaz de saber o motivo por que foi poupado! Ah, acho bom procurar um bom cardiologista! E sumiu no ar, com uma expressão de cinismo, transformando-se numa fumaça cinza muito da fedorenta que se espalhou pela casa, impregnando o ambiente por vários dias.
LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 21/02/2015
Alterado em 16/02/2016
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