ANJO DA GUARDA


Cão. Ele era o cão chupando manga. Desde pequeno batia nos amiguinhos, puxava o rabo do gato do vizinho, escondia os objetos dos pais. Uma vez sumiu com o passaporte do pai no dia da viagem, felizmente, faltando duas horas para seu vôo, conseguiu colocá-lo próximo ao lugar costumeiro e o pai conseguiu embarcar a trabalho para o Oriente. Batia palmas para assustar a avó materna enquanto cochilava, e ela era cardíaca, mas se soubesse disso nunca mais faria a mesma coisa. Porém não era de todo mau, apesar de ser um ser extremamente agitado, tinha pena de capturar passarinhos e molestar seres indefesos, além de ser o melhor aluno da turma em notas, porque em disciplina, não parava quieto em sala de aula, desafiava os professores do colégio de padres onde estudava, mas fazia com esmero todas as lições, resolvia questões complicadas, tinha uma inteligência bem maior do que a média. Apesar disso, paradoxalmente, não era um convencido.
Aos 16 anos, terminando o ensino médio, sentiu-se culpado pela morte da avó e procurou conforto em seu anjo da guarda, conversava com ele, apegou-se a essa fé, pedia perdão, chorava, sofreu, fez até uma promessa: nunca mais iria tocar punheta. Sacrilégio, isso não é promessa que se faça! Mas para um adolescente é um grande sacrifício. E é óbvio, não  conseguiu cumprir, pois esse hábito era diário e constante. Negociou com o anjo: trocou a antigo trato pela leitura de todo material possível sobre anjos e demônios. Como era um Internauta de mão cheia, foi pesquisando em todos os sites possíveis, entrava em todas as salas de debates, os fóruns, mas não se aventurava a nenhum tipo de comentário, pois se considerava incipiente no assunto. Agia com humildade para aprender. Seu lema era o lema de Sócrates, um dos pais da filosofia: “ Só sei que nada sei!”  Através desta postura de ignorância diante de um dominador do assunto, aprendia cada vez mais. Descobriu que há várias versões sobre a existência dos anjos, mas pela Doutrina Espírita, segundo a qual,  são espíritos de pessoas que já morreram, os demônios são muito apegados à matéria, podendo redimir-se através da reencarnação, isso significa que a alma tem a oportunidade de evoluir , até virar um espírito superior ao qual denominamos Anjo.
De repente sentiu uma grande necessidade de ver seu protetor e todos os dias implorava de joelhos e olhos fechados: “ Apareça, meu Anjo da guarda, eu não vou ter medo de você, estou me preparando para vê-lo, tenho muitas coisas para aprender com o senhor, apareça para mim!” . E nesse ínterim estudava e estudava, e pesquisava e já participava dos chats, como um bom entendedor das sagradas escrituras. “ Apareça, meu Anjo da Guarda!” Esta agonia durou seis meses. Até que numa dessas, sentado em sua cama, num dia triste de outono, sentiu e viu o colchão afundar do seu lado, como se alguém estivesse sentado, e um insuportável forte cheiro de incenso. Mas não havia ninguém lá. Seu coração bateu forte, sentiu uma alegria inefável, ao mesmo tempo um pavor, saiu correndo de seu quarto, abrindo a porta com as mãos trêmulas e nunca mais quis saber da vida espiritual. Tornou-se um ser errante, cheio de dicotomias.