PELO AMOR DE IARA
PELO AMOR DE IARA
A polícia mandou chamar seus pais. Um jovem franzino que completava vinte e um anos de idade naquele mesmo dia, sorte é que foi no dia anterior, quando aconteceram os fatos. Não foi propriamente um crime, foi feito um exame antidoping, para averiguar se houve consumo de drogas ou envenenamento, por bicho ou fruta. mas o garoto assustado contou uma história risível, todos riram dele e o acharam maluco., desconheciam ser ele o ilustríssimo Aleph Pi, doutor em ciências, prodígio aclamado pelas mais importantes revistas científicas e universidades do mundo inteiro. Aos dezessete anos já havia ganhado os prêmios mais cobiçados nas áreas das ciências, no entanto estava ali, naquela delegacia imunda, localizada num estado ao norte no Brasil, sujo e trajado como mendigo, mal conseguindo balbuciar. Tremia, tremia e dizia querer voltar para o rio onde encontrou o amor da sua vida : Iara. Morena de cabelos lisos pretos, lábios carnudos, e os mais lindos olhos verdes. Tudo começou quando o cientista conseguiu financiamento do governo para a realização de pesquisas na região onde se encontram o rio Negro e o Solimões. O rio Solimões nasce no Peru , totaliza aproximadamente mil e setecentos quilômetros até chegar a Manaus, onde ao encontrar o Rio Negro, recebe o nome de Rio Amazonas. É importante para o Norte porque é fonte de alimento, transporte, comércio, pesquisas científicas e lazer. O cientista, bisneto de amazonense , desde pequeno, ouvia histórias de seus ancestrais, elaborou um projeto científico muito convincente para explorar recursos do local, mas seu intuito era o de encontrar o colar mágico da lendária guerreira Iara, o que atribuía poderes de invencibilidade a seus possuidores. Jamais seriam derrotados em todos os aspectos da vida. O amuleto estaria sepultado debaixo de uma grande rocha, próxima à extinta tribo indígena. Na luta contra seus invejosos irmãos, que arquitetaram um plano para matá-la, foi arrancado de seu pescoço, a moça para se defender foi obrigada, com muito pesar no coração, pois os amava, a dar cabo da vida de todos eles. Sem o objeto de proteção ofertado pelo pajé, seu pai, Iara perdeu seus poderes e iniciou-se uma perseguição a ela. Foi capturada e como punição jogada no rio, à noite os peixes a levaram à tona e foi transformada em uma linda sereia. Agora, para que resgatar essa história, se o rapaz já tinha tudo na vida: sucesso, respeito, dinheiro, mulheres? Para que resgatar uma história de uma realidade tão distante da sua? Embora fosse o seu sangue, nada mais tinha a ver com ele. Apesar de gênio, sempre foi um rapaz normal: gostava das baladas nas horas vagas, surfava como ninguém, tinha cabelos compridos louros, sua pele bronzeada, morava e mora no prédio mais cobiçado do Arpoador, todo ano viajava para o exterior, defendeu teses no estrangeiro... Embora em contato constante com a natureza, meio urbana, mas natureza, como as trilhas da Floresta da Tijuca que conhecia como poucos, despencava para uma terra de ninguém, atrás de uma exegese primitiva, contada inúmeras vezes por sua avó sobre seus ancestrais. Enfim, foi atrás do amor e de tudo que acreditava. Constatou que sua vida urbana era vazia, ledo engano, talvez.
Pegaram balsa. A equipe, cerca de quinze homens atravessando aquele imenso rio no alto Amazonas para explorar seus recursos. Colhendo amostras, lá nas profundezas, de um poderoso biocombustível existente somente nesta região do planeta. À noite montaram um acampamento à margem esquerda do rio. Por volta de uma hora da madrugada Aleph teve seu sono interrompido pela voz sedutora de uma moça, chamando seu nome. Quis voltar a dormir pensando: foi sonho! Mas a voz novamente o chamou, arrastando-o para a beira do rio, uns cem passos à frente. Sentiu um frio na espinha, quando uma linda moça se aproximou dele, cantando as mais lindas melodias com timbre inigualável, nunca ouvido. Sem falar uma palavra, beijou seus lábios, o desejo foi tomando conta de seus corpos e logo estavam amando-se madrugada afora. De manhã, quando acordou, a moça já não estava mais lá. E ele voltou para a base. Mais um dia inteiro de pesquisas. Ele estava totalmente desconcentrado, mas não disse nada a ninguém À noite, esperou seus companheiros dormirem para ir encontrar a morena dos longos cabelos negros e dos encantadores olhos verdes. Ela estava lá a sua espera. Ele perguntou a ela: Por que você sumiu? – Mas ela nada respondeu, apenas sorriu, encostou seu corpo junto ao dele e novamente tudo começou. Foram quinze dias nesta agonia: ele tentava se manter acordado para não deixá-la sumir, pois tinha medo de não vê-la nunca mais.
Notou que, dia após dia, sumia um companheiro de equipe e no décimo quinto dia todos haviam sumido. Ficou magoado, pois já havia pagado adiantado por seus serviços e ninguém manifestou descontentamento, nem a intenção de abandoná-lo. No sétimo dia, quando metade já havia desaparecido, convocou uma reunião propondo que todos expusessem seus pontos de vista quanto ao trabalho, e todos foram unânimes em afirmar seu contentamento com a expedição. Argüiu se houve comentários dos que saíram e não obteve respostas.
No décimo quinto dia resolveu preparar uma armadilha para prender seu amor, e levá-lo consigo a sua cidade. Pensou em confeccionar uma grande gaiola, mas descartou a idéia, tinha rum no acampamento e sonífero. À noite ofereceu a bebida à amada, mas ela não aceitou, o jeito foi por o sonífero na boca, e enquanto se beijavam tratou de conseguir empurrá-lo garganta adentro. Quis dizer à amada que sempre acreditou na existência dela e que se manteve virgem esperando encontrá-la. Mas não houve oportunidade, ela dormiu. Carregou-a nos braços até um bote com um pequeno motor e atravessou o rio, mas no meio do caminho o motor parou e seu barco ficou à deriva. Logo o sono tomou conta de si, enquanto cochilava viu sua amada levantar-se rapidamente e mergulhar nas agitadas águas e cantar a mais bonita canção já ouvida. Ele hipnotizado gritou: - Vou atrás de você, meu amor! – E preparou-se para se atirar no rio, mas algo aconteceu: ouviu as vozes de seus companheiros em coro: - Não pule, Aleph, ela quer arrastar você também para o fundo do rio. Fuja, amigo, ela é uma leviana, não serve para você!
Seu coração foi partido naquela hora, tomado pelo medo, pela raiva, pela decepção, pulou do barco e nadou contra a correnteza, até chegar exausto a outra margem do rio. Perdeu-se na floresta. E foi encontrado, vinte dias depois, pela polícia do local, em estado lastimável.
Disse às autoridades: - Pensei melhor e decidi que quero voltar para Iara, tenho certeza de que ela me dará uma boa explicação sobre os seus atos. Ela me fez um convite com estas palavras: - Case-se comigo e venha ao meu lado proteger os rios!
LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 28/06/2009
Alterado em 29/06/2009